A ARTE DE ESCREVER


DESCRIÇÃO
Sou cidadão brasileiro,
latino americano,
sou Filho de pedreiro,
descendente africano,
um anônimo carteiro...
nascido em Juazeiro.

Não grafito outras cores,
no mapa verde e amarelo,
sou aluno na oficina de atores,
tenho três  amores...
a arte e a profissão,
e no traçado paralelo...
o amor do coração.

Não esqueço minhas raízes,
mas adoro vatapá...
farofa, pamonha e acarajé,
cultivo tulipas e jasmim,
sou morador em Perdizes,
e tenho em meu jardim...
estatuetas do lobo Guará,
um jacaré, um flamingo,
um chimpanzé, um ganso,
um seringueiro e um pajé,
uma rede para descanso...
em dias de domingo.

No passado jurei a Bandeira,
participei de desfiles militar,
filho de pai português,
hoje no balanço da cadeira...
observo minha filha brincar,
fazendo sua boneca ninar.

Quando em férias...
com a  parentela,
na casa dos pais de Estela,
saboreio um bom chimarrão,
leite quente e polenta,
degusto o churrasco nos pampas,
frango ao molho, macarrão,
enquanto da varanda...
vislumbro ao longe,
no silêncio vesperal,
a figura de um monge,
envolto na ciranda das campas.

Nunca perdi a postura,
ainda entôo o Hino Nacional,
já escovei minha dentadura...
agora Arrasto um chinelo,
enquanto procuro no jornal...
um mastim para duelo.

Aprecio uma boa leitura,
da genealogia dos gaudérios,
repletas em lendas caipiras,
aos personagens pitorescos...
de Monteiro Lobato,
com seus Romances e mistérios,
rústicos afrescos...
na infância do amigo Pato,
quando nas aulas de historia,
descobrimos Marechal Rondon,
Aleijadinho, Tiradentes...
a biografia de Tom...
Lampião e seus parentes.

Não desperdiço uma prosa,
ou moda sertaneja...
nem tampouco uma boa trova,
regada a petiscos e cerveja,
nunca rasurei minha identidade,
ou minha imagem de cidadão,
arrisco sim, minha auto-estima...
nos acordes do violão,
e no improviso de uma canção,
faço galanteios para a menina,
que mora em meu coração.

Neste breve relato,
a utópica descrição,
de um imaginário brasileiro,
mestiço, negro ou mulato,
e seu mimetismo migrante,
enraizado na etnia do retirante,
em ascensão na miscigenação.


                                                UMA VIDA.
                                               Eu sou à lua, à noite e o luar,
estou na rua e nas canções de ninar,
sou a natureza...
que muda de cor,
mostrando sua beleza
no frio e no calor.
Sou o cetro na mesa do lenhador,
das ondas sou o mar,
das chuvas a nascente,
a gota que nasce no ar,
o passado e o presente.
Sou a paixão,
na derrota sou a vitória,
sou a musica e o violão...
da lenda sou a história.
Sou a saudade, o amor e a lembrança,
a cidade no leito criança.
Sou a estrada, o sopro da razão,
a longa caminhada que escolhe a direção.
Sou o tempo nas folhas de Cervantes,
o passo lento dos elefantes,
sou a vida das uvas no lagar,
sou da chegada à partida...
e assim vou continuar.
Sou o cavalgar de cavalos marinhos,
a lei do mar escrita em pergaminhos.
Sou a Fênix misteriosa,
a fonte cristalina,
o afago da mão carinhosa...
na face menina.
Sou o ideal na paz,
o esmalte na coroa do dente,
o trovador de coração inocente,
o reflexo na lente.
Sou o rio a correr,
A planta que traz a cura,
os raios do amanhecer depois da noite escura,
Sou a criança do campo e da cidade,
A alegria da ciranda, nas lagrimas de saudade,
Sou o pensamento,
O desejo no lábio mudo,
um corpo no relento,
a alma de tudo,
Sou o eterno infinito,
a base do entendimento,
um sorriso bonito, na esperança do momento,
Sou as folhas e o galho,
a raiz das plantações,
o diamante no cascalho,
a estiagem nos sertões,
Sou a emoção do eco na gruta,
o compasso do coração,
a balança da permuta,
sou o sabor da fruta.
Sou um gesto de bondade,
um aceno na despedida,
a certeza da amizade não esquecida,
o perfume de margarida.
Sou o enigma da musa,
o contraste da pintura,
a inspiração difusa...
 na mensagem sem figura.
Sou os trovões e relâmpagos,
a chuva que penetra o chão,
a estrela dos reis magos,
Sou o teu pedaço de pão.
Sou a ponte de Gibraltar,
o cordão do umbigo,
o candelabro do lar,
o ombro amigo, o espaldar,
na solidão de Baltazar.
Sou o Libertador de almas escravas,
Sou o Senhor...
a consciência das palavras,
Sou o Juiz e o tribunal,
defesa e acusação,
testemunha angelical,
tua consolação.
Sou a grande semente,
o batismo no Jordão,
Sou o presente, no milagre da multiplicação,
Sou o perdão sem rancor,
O orvalho no olhar,
a abelha que visita a flor,
o pólen a germinar amor,
com olhos de candor.
Sou Omega e Alfa também,
a visão que não cega,
a grandeza do amém,
na força de matusalém.
Sou o alicerce no firmamento,
a fonte de sabedoria,
sublime sentimento,
Essência em Maria.
Sou o Principio e o fim,
o túnel de Luz,
a árvore no jardim,
a redenção na cruz.
Sou Jesus Cristo,
Aquele que não morre jamais,
Sou tudo isso e muito mais.


                                               PASSAGEM.
Minha escola,
não tem arruelas,
dobradiças ou portas,
pisos ou paredes,
não tem telhados, ou janelas,
apenas sarjetas e vielas.
Minha escola,
não tem panelas,
pomares nem hortas,
não tem redes de balanço,
nem hora de descanso,
mas tem arado,
e político mascarado.
Minha escola,
não tem ventarolas,
nem som de violas,
mas tem flanelas,
grades e favelas...
sob a Luz de velas.
Minha escola,
têm gazeteiros,
não tem Hino Nacional,
mas têm carvoeiros,
bóia fria e canavial,
casebres e lamaçal.
Minha escola,
tem assedio sexual,
tem pistoleiros,
milícias e policial,
tem vírus hospedeiros,
enredo e carnaval.
Minha escola,
não tem computador,
nem Internet,
mas tem ladrão, estuprador,
drogas, pistolas, canivete,
fumaça, pó, pedra,
chupeta, cachaça, cabaça...
tudo quase de graça,
muito rato e traça.
Minha escola,
de joelhos no chão,
não têm leis, apenas regras de sigilo,
retrata a historia de um pivete,
meu amigo grilo,
garoto valente,
que morreu aos sete,
na banca do tenente,
esfolado no chumbo quente.
Minha escola,
não tem nem professoras,
não tem diretor,
padre, juiz ou pastor,
não tem borracha...
lápis ou caderno,
não tem leite materno,
ou calor no inverno,
apenas óleo e graxa.
Minha escola,
não tem giz,
não tem lousa ou apagador,
não tem recreio ou merenda,
não sabe o valor do xis,
não conta historia nem lenda,
não tem nem régua,
não pede  bis...
implora trégua,
no dorso da égua.
Minha escola,
não brinca de amarelinha...
nem de pique-esconde...
na crista marola,
ela não tem berço cartola,
nem rosário carola,
equilibra-se na linha...
enquanto pega carona,
no rabo do bonde.
Minha escola,
é um andarilho...
que esmola,
que cheira cola,
maltrapilho beiçola...
que deita e rola...
com muita dor na sola.
Minha escola,
Sonha com pizza,
cinema, coca-cola,
pipoca, cachorro quente,
uma boneca, uma bola,
uma escola diferente.
A minha escola,
não tem idade,
tem muita vontade,
tem garra e coragem,
tem futuro,
tem esperança,
esta de passagem...
no corpo de criança.